Quem é professor sabe as dificuldades de avaliar os alunos, em especial por causa da necessidade de aprovar e reprovar. Já convivi com muitos colegas que entram em crise todo final de ano. Há quem perca peso, fique uma pilha de nervos e passe noites em claro. De fato, não é fácil. A cultura avaliativa que separa o joio do trigo é muito forte e está entre as razões de tantas dificuldades. Esta cultura procura distinguir, nos dizeres de Charles Wright Mills (1975), o grupo de crianças e jovens que poderá ter o máximo que se pode ter, bem como acesso aos modos de vida inacessíveis à massa de homens e mulheres comuns; pouco importa que sejam ricas ou pobres, que tenham altas posições ou não - são candidatos à elite por serem como são. De um ponto de vista moral acredita-se no ambiente escolar que constituem uma elite pelo simples fato de seus desempenhos acadêmicos serem mais elevados e serem possuidores de melhor caráter e energia superiores. Isto, entretanto, não se sustenta. A obtenção de notas elevadas nunca eximiu alguém de ser egoísta, retraído em si mesmo, em seu interesse e em sua arbitrariedade privada, e dissociado da comunidade. As relações que acaso mantêm com a comunidade são pautadas por interesses particulares de maior acumulação e conservação das suas propriedades.
Na crise política, econômica, social e sanitária na qual o
Brasil foi mergulhado, em grande parte por inépcia do Governo Jair Bolsonaro,
isto fica muito evidente. Os chamados homens-de-bem que compõem a elite
bolsonarista, com raríssimas exceções, se mostram insensíveis à depredação dos
grandes biomas nacionais, à morte de mais de 650 mil pessoas infectadas pelo
coronavirus desassistidas pelo governo federal e à fome de milhões por retração
das políticas sociais de assistência social aos mais vulneráveis. Antes, o
historiador francês Christian
Ingrao (2015) já demonstrou que jovens alemães das melhores famílias,
formados em instituições de excelência e com excelentes desempenhos, com
bastante facilidade se tornaram oficiais da SS nazista (Schutztaffel) e desenvolveram
grande participação ativa e direta na construção dos campos de extermínio, na
criação de "grades de leitura do mundo e na disseminação de discursos de
legitimação que deram suporte aos massacres e ao genocídio". Ou seja,
o melhor histórico escolar não se comuta em altivez de caráter; instruir não é
o mesmo que educar para uma vida pautada pelos mais elevados valores humanos,
éticos e morais.
Avaliar é qualificar, atribuir qualidade no sentido do
desenvolvimento do espírito humano, isto é, no sentido de superar a nossa
essência animal, nos tornar homens e mulheres sujeitos de uma sociedade mais
igualitária, justa, fraterna, pacífica e democrática. Avalia-se para elevar a
qualidade do trabalho realizado, indicando as fragilidades existentes e os
caminhos de superação. Avaliar e classificar ou demarcar posições é elitismo. É
reproduzir a sociedade de classes, é ser conivente com as estratificações
existentes.