23.11.25

O Brasil Real e o Brasil Imaginário: Anatomia do Vira-Latismo

 


Ontem participei de uma roda de conversa que me deixou sinceramente alarmado com a lama rala em que muitas discussões sobre o Brasil ainda se chafurdam. É impressionante como proliferam opiniões que, embora declamadas com a convicção dos iluminados, não carregam um grama de evidência empírica. Tornou-se quase um vício nacional: criticar o país de forma automática, ideologizada, repetindo um pessimismo que não nasce da observação do mundo, mas de uma espécie de reflexo condicionado — um vira-latismo estrutural, persistente, herdado, acrítico, quase orgânico. Em vez de recorrer a dados, comparações internacionais ou análises mínimas, prefere-se reciclar frases prontas, como se pensar exigisse esforço demais e a ignorância oferecesse algum alívio moral.

E de nada adianta que estrangeiros elogiem o país com base em fatos experienciados por eles — nossa capacidade de negar a realidade às vezes beira o cômico. Se eles reconhecem o SUS como um dos maiores sistemas públicos de saúde do planeta, alguns “caramelos” se apressam em desqualificá-lo, mesmo quando se beneficiaram diretamente dele, talvez até em um transplante realizado entre os milhares feitos gratuitamente pelo SUS todos os anos. Se os gringos elogiam o Rio, São Paulo ou Belém, surge de imediato um coro nacional que reduz tudo à violência das facções, milícias e traficantes,  que qualquer obra pública seja um truque para enganar turistas. É o tipo de reação que não nasce da lucidez, mas da incapacidade de enxergar o próprio país sem o filtro cinzento do ressentimento.

E o mais grave é que essa postura vem acompanhada de um desconhecimento monumental. Muitos não sabem — e não se dão ao trabalho de saber — que a Embraer figura entre as maiores fabricantes de jatos civis do mundo; que quase 90% da nossa matriz elétrica é renovável; que o programa espacial brasileiro tem reconhecimento internacional; ou que certos índices de violência urbana, quando comparados honestamente, são menos sombrios do que os de cidades norte-americanas celebradas como centros civilizados, como é o caso de Chicago e Detroit. Falando de educação, então, o espetáculo chega a ser grotesco: os “caramelos”, especialistas improvisados, ignoram que o país alcançou praticamente a universalização da educação básica, que os programas de assistência estudantil são vastos, que o IDEB é referência no exterior, e que os Institutos Federais figuram entre as escolas públicas de melhor desempenho no país, atuando muitas vezes como motores tecnológicos e econômicos de regiões inteiras.

No fim das contas, o problema não é o Brasil — é a preguiça cognitiva. É a recusa sistemática de comparar, investigar, duvidar, interpretar. É o hábito de transformar ignorância em opinião e opinião em certeza. Quando um estrangeiro reconhece nossas qualidades, a reação imediata é desconfiar, como se a lucidez alheia fosse um insulto pessoal. Esse impulso não vem do excesso de consciência crítica, mas justamente da sua ausência. Assim, as conversas se degradam em ruído, as convicções viram slogans e a inteligência coletiva fica refém de um derrotismo mal-informado.

Se queremos elevar o debate público — e abandonar de vez esse automatismo que nos apequena — precisamos recuperar uma atitude verdadeiramente racional: observar, comparar, checar, contextualizar. Só então poderemos falar do Brasil com a seriedade que ele merece, livres do ressentimento, livres do fatalismo, e finalmente capazes de encarar a realidade como adultos.

 

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