Ontem participei de uma roda de conversa que me deixou sinceramente
alarmado com a lama rala em que muitas discussões sobre o Brasil ainda se chafurdam.
É impressionante como proliferam opiniões que, embora declamadas com a
convicção dos iluminados, não carregam um grama de evidência empírica.
Tornou-se quase um vício nacional: criticar o país de forma automática, ideologizada,
repetindo um pessimismo que não nasce da observação do mundo, mas de uma
espécie de reflexo condicionado — um vira-latismo estrutural, persistente,
herdado, acrítico, quase orgânico. Em vez de recorrer a dados, comparações
internacionais ou análises mínimas, prefere-se reciclar frases prontas, como se
pensar exigisse esforço demais e a ignorância oferecesse algum alívio moral.
E de nada adianta que estrangeiros elogiem o país com base em fatos
experienciados por eles — nossa capacidade de negar a realidade às vezes beira
o cômico. Se eles reconhecem o SUS como um dos maiores sistemas públicos de
saúde do planeta, alguns “caramelos” se apressam em desqualificá-lo, mesmo
quando se beneficiaram diretamente dele, talvez até em um transplante realizado
entre os milhares feitos gratuitamente pelo SUS todos os anos. Se os gringos elogiam
o Rio, São Paulo ou Belém, surge de imediato um coro nacional que reduz tudo à
violência das facções, milícias e traficantes, que qualquer obra pública seja um truque para
enganar turistas. É o tipo de reação que não nasce da lucidez, mas da
incapacidade de enxergar o próprio país sem o filtro cinzento do ressentimento.
E o mais grave é que essa postura vem acompanhada de um
desconhecimento monumental. Muitos não sabem — e não se dão ao trabalho de
saber — que a Embraer figura entre as maiores fabricantes de jatos civis do
mundo; que quase 90% da nossa matriz elétrica é renovável; que o programa
espacial brasileiro tem reconhecimento internacional; ou que certos índices de
violência urbana, quando comparados honestamente, são menos sombrios do que os
de cidades norte-americanas celebradas como centros civilizados, como é o caso
de Chicago e Detroit. Falando de educação, então, o espetáculo chega a ser
grotesco: os “caramelos”, especialistas improvisados, ignoram que o país
alcançou praticamente a universalização da educação básica, que os programas de
assistência estudantil são vastos, que o IDEB é referência no exterior, e que
os Institutos Federais figuram entre as escolas públicas de melhor desempenho
no país, atuando muitas vezes como motores tecnológicos e econômicos de regiões
inteiras.
No fim das contas, o problema não é o Brasil — é a preguiça
cognitiva. É a recusa sistemática de comparar, investigar, duvidar,
interpretar. É o hábito de transformar ignorância em opinião e opinião em
certeza. Quando um estrangeiro reconhece nossas qualidades, a reação imediata é
desconfiar, como se a lucidez alheia fosse um insulto pessoal. Esse impulso não
vem do excesso de consciência crítica, mas justamente da sua ausência. Assim,
as conversas se degradam em ruído, as convicções viram slogans e a inteligência
coletiva fica refém de um derrotismo mal-informado.
Se queremos elevar o debate público — e abandonar de vez esse
automatismo que nos apequena — precisamos recuperar uma atitude verdadeiramente
racional: observar, comparar, checar, contextualizar. Só então poderemos falar
do Brasil com a seriedade que ele merece, livres do ressentimento, livres do
fatalismo, e finalmente capazes de encarar a realidade como adultos.

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