Zacarias Gama
Tenho para mim que professores e estudantes jogaram pedra na
Cruz, tanto eles sofrem neste país. Os primeiros são alvos constantes do
descrédito e dos maltratos que a sociedade lhes dispensa. Já não bastasse o
pouco reconhecimento social, os baixos salários, as péssimas condições de
trabalho em grande parte das escolas e a constante proletarização, agora, em
plena pandemia de Covid-19 que ceifou a vida de mais de 380 mil brasileiros,
exige-se que exerçam os seus ofícios de forma presencial e diária. As crianças
e jovens que infernizaram a vida dos pais em processos de homeschooling
parecem também ser acusados de cometerem o mesmo crime.
O Projeto de Lei (PL 5595-2020), aprovado na Câmara dos Deputados
em 20/04/2021, apresentado pelas deputadas Paula Belmonte (Cidadania/SP),
Adriana Ventura (Novo/SP), Aline
Sleutjes (PSL/PR), e deputado General
Peternelli (PSL/SP) e relatado pela deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), abre
caminho para a contaminação e morte de tais apedrejadores, bem como lhes
dificulta a realização de greves. Ele estabelece que a Educação Básica e o Ensino
Superior, em formato presencial, sejam considerados como serviços e atividades
essenciais durante enfrentamento de pandemia, de emergência e de calamidade
pública. Ou seja, a despeito da intensidade e abrangência das pandemias,
terremotos, furacões, tiroteios e guerras, tais eventos estão desprovidos de
força para suspender o funcionamento das escolas. Somente as restrições de
ordens técnicas e científicas devidamente comprovadas podem determinar o
fechamento de escolas e a suspensão de aulas. É interessante destacar que as justificativas
de tal PL consideraram a educação como direito fundamental, reconheceram o seu
papel fundamental na diminuição das desigualdades sociais e na transformação e
desenvolvimento econômico e social e a necessidade de cumprir as determinações
que emanam da Lei de Diretrizes e Bases (A Lei nº 3.394, de 20 de dezembro de
1996).
Com um mínimo de atenção à leitura do PL 5595-2020 se
vê grande hipocrisia na construção de tais justificativas, porquanto em tempos
de normalidade pouco ou nada se faz concretamente pela educação e, menos ainda,
para assegurar e democratizar a sua qualidade referenciada socialmente,
pleiteada por diversos movimentos organizados da sociedade civil. A verdadeira
justificativa é uma só: a necessidade de evitar a falência dos empresários de educação
que, como muitos pastores evangélicos neopentecostais, dependem de mensalidades
e dízimos para manter os seus negócios.
Tampouco houve preocupações com protocolos de segurança para
garantir a frequência segura e saudável de todos; o PL, com o seu viés
autoritário e vertical, sequer teve um parágrafo determinando o aumento dos
padrões de segurança de discentes e docentes, muito possivelmente para evitar maiores
dispêndios aos empresários que Suas
Excelências representam na Comissão de Educação. Essa Comissão, aliás, é
constituída de 109 parlamentares em maioria empresários de educação (28,4%), advogados (13,8%), professores (11%) e
médicos (10,1%); do total de seus componentes, 33% integram também a bancada
empresarial.
Interesses empresariais, autoritarismo e falta de empatia com
professores e estudantes caracterizam, portanto, o projeto de lei encaminhado
ao Senado Federal para aprovação definitiva. O PL é objetivo, contém apenas três
artigos e descarta todas as preocupações sugeridas em diversas emendas e na Emenda Substitutiva Global que foram
apresentadas. O verticalismo predominante e interesseiro rejeitou a pactuação
entre os entes federativos, as orientações da Organização Mundial da Saúde e
autoridades sanitárias brasileiras, protocolos de segurança, assim como a
obrigação de equipamentos de higiene, distanciamento social, ações de apoio e
recuperação de estudantes que se atrasaram durante o período de isolamento. O
único interesse transparente no texto é a abertura das escolas para a alegria
dos empresários de educação e autoridades negacionistas, para as quais a vida
de crianças, jovens e docentes tem pouco valor. Doa a quem doer.
Transformar tal
PL em lei constitui falta de bom senso, negação às recomendações científicas de
contenção ao coronavírus e a diversos documentos internacionais assinados pelo
governo brasileiro, como por exemplo a Convenção
sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de
novembro de 1989. O Artigo 3º desta Convenção é claro e é inadmissível ser
desconsiderado por conta de interesses imediatistas de ganhos econômicos:
§ 3. Os Estados Partes devem
garantir que as instituições, as instalações e os serviços destinados aos
cuidados ou à proteção da criança estejam em conformidade com os padrões
estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito
à segurança e à saúde da criança, ao número e à adequação das equipes e à
existência de supervisão adequada.
A ação dos
deputados proponentes do PL 5595-2020 , a serviço do empresariado
educacional e caracteristicamente negacionista da potência do Coronavírus, chega
a ser hedionda tanto a sua desestima por crianças, jovens e profissionais da
educação. É uma ação de execração jamais vista em situações passadas de graves
pandemias, guerras e calamidades. As crianças e jovens sempre foram poupados,
porque são elas e eles os garantidores da continuidade de uma sociedade. O ódio
inscrito no DNA deste PL e a sua opção pela economia, preterindo as pessoas,
escorre pelos três artigos da futura lei que considerará a educação como
mercadoria, ops!, serviço essencial.
A transformação deste PL em lei é mais um passo na construção do
Estado bolsonarista, o qual na acepção de Isabela Kalil (2020), tem os “adversários
políticos [como] inimigos, e para esses inimigos cabe tudo — no limite, até a
morte”. Não podemos esquecer: os professores são inimigos, eles são acusados de
defender e propagar o tal “marxismo cultural” e a “ideologia de gênero” em suas
salas de aula.
Um Estado que já exigiu a Escola Sem Partido, quem sabe estaria
se preparando para criar uma sociedade sem escolas? As inspirações já existem e
são muitas, a começar pelos contos de Isaac
Asimov, o grande autor de ficção científica. Em seu conto “Profissão” projetou
o “Dia da Leitura” e o “Dia da Instrução”. No primeiro, as crianças de oito
anos conectadas a determinadas “fitas de instrução”, aproximadas aos nossos atuais
softwares, em um único, aprendem a ler e escrever; no segundo, os jovens de
dezoito anos, pelo mesmo processo, são instruídos em dada profissão conforme as
suas estruturas cerebrais.
Sem gastos com manutenção de prédios escolares, livros e
merendas, batalhões de profissionais de educação exigindo salários elevados,
sem crianças e jovens entupindo os transportes públicos... O Ministro Paulo
Guedes iria amar... que morram os professores e estudantes!
Alguns anos mais tarde, quando completassem 18 anos, no “Dia
da Instrução”, no qual pelo mesmo processo e com o 3 1ª lei: Um robô não pode
ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum
mal. 2ª lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres
humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei. 3ª lei:
Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre
em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei. Lei Zero: um robô não pode fazer
mal à humanidade e nem, por inação, permitir que ela sofra algum mal. Revista
de Humanidades, Tecnologia e Cultura ISSN 2238-3948 Faculdade de Tecnologia de
Bauru volume 03 – número 01 – dezembro/2013 Página48 auxílio de “fitas de
instrução”4 , cada um era conduzido para uma profissão determinada pelas
estruturas cerebrais.