A proposta de Educação à Distância (EAD) até para a alfabetização de crianças da educação infantil e fundamental está longe de ser um ato tresloucado do candidato ex-capitão Jair Messias Bolsonaro. Supõe cobertura universal com baixo custo, além de diminuir a quantidade de defensores e propagadores da ideologia de gênero, das ideias evolucionistas de Darwin e reprodutores das ideias de igualdade, fraternidade e democracia.
A necessidade de merecer algumas reflexões é imperativa, a
começar pelo fato de a eletricidade de qualidade e o sinal de banda larga
estarem longe de ser universalizados no território brasileiro. Em muitas
localidades a luz elétrica é precária: são muitos os picos e interrupções que
liquidam os computadores, e o sinal de Internet é de desesperar os usuários,
além de serem caros. Pretender, portanto, estender a EAD sem resolver a
infraestrutura necessária é o primeiro sintoma de insanidade mental.
O Brasil está próximo de universalizar a educação básica
presencial, apenas 2,8 milhões de crianças e jovens, entre 4 e 17 anos, ainda
deixam de estar matriculados e frequentando às aulas. As razões dessa infrequência
são muitas e têm início na situação de pobreza em que vivem e nas dificuldades
de acesso. Grande quantidade vive em meio rural e áreas muito interiorizadas,
às vezes somente com acesso fluvial e sem fornecimento de energia elétrica. Oferecer
a essa nossa gente uma modalidade de educação fundada em novas tecnologias de
informação é, no mínimo, zombar da paciência alheia e atestar para si e
publicamente o próprio grau de cegueira em questões educacionais.
O que o país precisa com urgência, como imperativo
categórico, é de professores de qualidade e em regime de dedicação exclusiva
para enfrentar os desafios concretos do cotidiano educacional. É um
contrassenso absurdo demonstrar a intenção de realizar cortes na folha de
pagamentos da educação, quando se precisa de mais e melhores professores bem
remunerados.
Também ainda estamos longe de abrir mão da presença física
das crianças e jovens nas escolas e nas salas de aulas. Ao contrário do que
alguns “entendidos” possam considerar impedir o acesso e a permanência de
crianças e jovens nas escolas, isso significa negar-lhes viver coletivamente os
melhores anos de suas vidas, as trocas materiais e simbólicas que podem fazer
no ambiente escolar e o desenvolvimento cognitivo potencial em interações com
seus iguais e membros do corpo pedagógico. Fixá-las em suas casas e imediações,
sob a atenção das mães ou cuidadoras, tornam-nos atávicos, presos aos seus
locais de pertencimento e incapazes de se tornarem senhores do mundo criado
divinamente para as suas delícias. O mesmo vale para colocar em perspectiva os
impactos da educação familiar, também chamada de homeschooling, com muitos adeptos no Brasil, mas que, em boa hora,
foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Como se ainda não bastassem os aspectos negativos mais
evidentes, a proposta do candidato Jair Bolsonaro de estender a EAD à educação
básica, como sói ocorrer a personalidades semelhantes, tem, ademais,
importantes sinais de machismo, misoginia e patriarcalismo. De pronto recusa a
ideia de igualdade dos direitos entre homens e mulheres, ao segregar as mães em
seus lares e lhes imputar as responsabilidades da educação domiciliar e o
acompanhamento das aulas à distância dos seus filhos pelo computador, rádio,
televisão ou qualquer outro meio. Transparece-se com intensidade em tal
proposta a repulsa ao contato com as mulheres em ambientes públicos, longe das
dependências privadas da casa. Aviva-se – por fim, mas não por último - o velho
e reacionário saudosismo das sociedades patriarcais perdidas no tempo histórico,
quando as mulheres sequer tinham o direito de votar conforme as suas escolhas
ou ausentar-se de sua casa sem o consentimento dos patres famílias.
Somente ganham com a concretização dessa proposta os grandes
grupos privados que oferecem essa modalidade de educação, incluindo os
empresários vendedores de softs, hardwares e manutenção de máquinas. Ganham
também as fundações e institutos culturais e educacionais que já atuam no ramo,
do tipo Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton Senna, Fundação Victor
Civita e tantas outras.
O grande perdedor é a sociedade, nomeadamente as classes
sociais mais pobres, já situadas perifericamente ao acesso à educação de
qualidade referenciada socialmente, pública, laica e gratuita. São essas
classes as que mais perdem, embora, paradoxalmente sejam aquelas que teimam em dar
sustentação ao candidato ex-capitão.