Muitas pessoas têm sido favoráveis ao projeto de lei que
institui a Escola Sem Partido, mesmo que não levem em consideração os seus efeitos.
Defendem que à escola cabe apenas instruir; a educação é de competência das
famílias em conformidade com os seus valores.
O debate transcorre no campo da abstração, opondo alunos
idealmente instruídos a outros corrompidos pelas ideias disseminadas pelos
“petralhas” favoráveis à igualdade de gênero, aborto, divórcio, emancipação
feminina etc. Até então nenhum exemplo concreto de homem instruído poderia ser
trazido ao proscênio das discussões.
Mas, eis que o Capitão-Presidente passa a ocupar a boca da
cena do grande teatro nacional, vestido em trajes simples, com uma sandália
surrada e uma camisa não-oficial de time de futebol certamente comprada em
algum camelô, como protótipo do homem instruído . Quando fala
em público, os seus discursos são mais rápidos que o preparo de miojo e
igualmente insossos; as entrevistas coletivas ou individuais que dá são
marcadas pela rispidez e afirmações titubeantes que podem ser desditas na tarde
do mesmo dia. As viagens internacionais e as respectivas gafes, estas então,
são de corar os seus mais apaixonados defensores. Fico imaginando o seu
sem-jeito diante de um prato de Filets de faisan au muscat et carottes
braisés em um banquete servido pela rainha da Inglaterra e pedindo a algum
assessor que lhe garanta um pão com leite condensado ou um hamburguer ao sair
dos salões do Palácio de Buckingham.
A cada dia fica cada vez mais claro a falta de educação do Capitão
e a sua transformação em chacota pela imprensa do mundo afora. Mas sempre é bom
frisar, ele foi bem instruído militarmente, embora possa ser considerado
um homem sem educação de acordo com o ponto de vista piagetiano sobre o que é
ser educado. O Capitão mal compara, ordena, categoriza, classifica, comprova,
formula hipóteses “em uma ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva
(segundo seu grau de desenvolvimento)”[2]. As
palavras incomuns são para ele como pedras em seus discursos. Nem as suas
relações pessoais contribuíram para que se educasse para além da instrução
recebida, considerando-se que a socialização com mentes simplórias e estrupícias
pouco contribuem para a realização de mediações superiores que nos permitem
chegar a acordos indispensáveis à convivência democrática e ao estabelecimento
de uma sociedade justa, fraterna e livre. É, pois, a educação escolar e social,
e não a instrução, que pode transformar a sociedade.
A própria UNESCO se situa no campo educacional para além das
concepções favoráveis às escolas de instrução como existem e são formuladas
pelos defensores da Escola Sem Partido. Para esta instituição mundial, o ato
educacional pressupõe a “ajudar pessoas de todas as idades a entender melhor o
mundo em que vivem, tratando da complexidade e do inter-relacionamento de
problemas tais como pobreza, consumo predatório, degradação ambiental,
deterioração urbana, saúde, conflitos e violação dos direitos humanos, que hoje
ameaçam nosso futuro”[3]. Aos
seus olhos, o nosso Capitão-Presidente está distante das preocupações para as
quais orienta o ato de educar, é simplesmente um homem instruído na caserna, um
homem em sua incompletude. Está anos-luz distante do que o atualmente combatido
Paulo Freire nos diz a respeito de ser educado: educar-se é se humanizar e se
constituir num que-fazer social-político-antropológico-ético.
Dai a necessidade de escolas que possam instruir e educar. A
aquisição de conhecimentos a partir de dada instrução é importante, mas que não
se restrinja a conhecimentos técnicos descontextualizados historicamente ou que
seja capaz de privar ao educando o processo básico de seu desenvolvimento e
relações com os outros e com o mundo. Apenas instruir é individualizar o ser
que é naturalmente social, levá-lo a adquirir determinadas competências para as
suas intervenções imediatas sobre os objetos da natureza, é tornar egoísta o
homem. Educar, ao contrário, é conduzir o educando a assumir papeis
preponderantes no processo social. É a educação que permite o desenvolvimento
de dimensões importantes ao convívio humano, tais como a ética e determinada
concepção elevada de mundo. É pela educação que o homem se humaniza e se
socializa e é por meio do processo educacional que vislumbramos as gêneses das
ações políticas. Só a educação supera o ser individual, coletivo, egoísta e
apequenado. É ela a gênese do ser social, aquele que se une fraternalmente em
nome da justiça, igualde e compartilhamento igualitário.
O Capitão-Presidente, coitado, a despeito das boas intenções
que possa ter, é refém da instrução sem partido que recebeu.
[1]
Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de
Educação. Membro do Comitê Gestor do Laboratório de Políticas Públicas – LPP,
Coordenador Geral do Programa Desenvolvimento e Educação Teotonio dos Santos –
ProDEd-TS, ex-professor do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana –
PPFH.
[2]
PIAGET,
Jean. Psicologia e pedagogia. São Paulo: Summus, 1984
[3]
UNESCO.
Educação para o desenvolvimento sustentável. Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/education-for-sustainable-development/. Acesso
em 29 de junho de 2019.