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As provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) estão
marcadas para novembro, mas face à pandemia provocada pelo Novo Coronavírus –
Covid19 – e o consequente fechamento das escolas e cursos preparatórios, é grande
o clamor nacional pelo seu adiamento. As alegações dos estudantes procedem. Até
a juíza Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo,
sentenciou favoravelmente ao seu adiamento, alegando que “os alunos da rede
pública não estão assistindo as aulas com o conteúdo programático cobrado no
Exame”; que grande parte dos estudantes da rede pública não “possuem acesso ao
ensino à distância (EAD) e diversas outras ferramentas eletrônicas de
aprendizado”; e que “nem mesmo é
possível afirmar que todas as escolas particulares estão disponibilizando aulas
por vídeo ou atividades similares uma vez que a pandemia e as normas de
isolamento social determinaram o fechamento das instituições de ensino” (Portal
Agência Brasil, 2020)[1].
O Ministério da
Educação até o presente parece ter ouvidos moucos. Em seu microblogue o Senhor
Abraham Weintraub, o Ministro, foi categórico usando poucas palavras: “O Brasil não pode parar!” Vai ter Enem!”.
E ainda acrescentou: “70% fez o pedido de isenção da taxa do Enem 2020 pelo
celular, smartphone” (idem).
A perversidade e a intransigência do Ministro não causam
qualquer estranheza, dado o seu alinhamento político-ideológico ao bolsonarismo
e ao olavismo. O seu chefe, o presidente da República, desde o primeiro momento
da pandemia mundial menosprezou a sua intensidade e letalidade, considerou-a
como uma “gripezinha” ou um “resfriadinho” e deixou claro que a economia não
poderia parar, ainda que muitas mortes fossem inevitáveis. Para o “filósofo” negacionista
Olavo de Carvalho, o seu guru, “essa epidemia simplesmente não existe”,
“é a mais vasta manipulação de opinião
pública que já aconteceu na história humana” (Isto É, 2020)[2].
Bolsonaro, Weintraub e Carvalho são contrários ao isolamento social e,
portanto, defendem com unhas e dentes a reabertura de todos os setores da
economia. Se morrerem milhares de brasileiros, qual é o problema? E daí?
Mas nem só de perversidade e intransigência se alimenta o
Ministro. O autoritarismo, o antidemocratismo e a ignorância sobre o Brasil
também integram o seu cardápio. Manter as provas do Enem em novembro é a mais
absoluta prova de ignorância acerca das desigualdades que tornam o nosso país um
dos mais injustos na face do Planeta; ele somente perde para o Catar em
concentração de renda. Esta discrepância determina também a concentração de
melhores escolas, universidades, cursos de pós-graduação com avaliação igual ou
superior a cinco, institutos de pesquisas, bibliotecas, teatros, cinemas etc.
nas regiões Sudeste e Sul. Isso vale também para os sinais de telefonia celular
e Internet, cujas sombras, isto é, áreas com baixo ou nenhum sinal, castigam as
populações mais pobres das periferias urbanas e do campo, distantes do alcance das
antenas das operadoras. A alegação do Ministro de que 70% de pedidos de isenção
da taxa de inscrição ao Enem 2020, chega a ser um deboche porque desconsidera a
precariedade dos aparelhos, a qualidade do sinal, a quantidade de créditos e o
tamanho das memórias; um smartphone pré-pago, regra geral, tem menos de 100 GB
de memória e, portanto, grande dificuldade de receber uma aula com textos,
áudio e vídeo. Na Baixada Fluminense, por exemplo, entre 40 e 45% dos inscritos
no Enem não têm computadores domésticos e os seus telefones pré-pagos às vezes
são dos pais e o seu uso é controlado.
Não bastassem os problemas de ordem técnica, é preciso
considerar ainda a desigualdade na distribuição do professorado de qualidade no
território brasileiro. Os melhores e mais qualificados, aprovados em concursos
públicos e incorporados ao corpo docente de alguma escola particular de boa
reputação, mesmo que inicialmente sejam alocados em escolas de periferia, têm
grande mobilidade no interior do sistema educacional e em pouco tempo conseguem
se transferir para as escolas mais centrais, mais bem equipadas e com equipes
bem avaliadas pelos núcleos centrais e sociedade. Grande parte do professorado,
formada em instituições de ensino superior, mal avaliadas pelo MEC, em um
mercado de trabalho bastante competitivo, acaba se tornando docente nas piores
escolas de periferia, interior e meio rural. O efeito imediato é a mobilidade
estudantil, daqueles que têm mais recursos, em direção às escolas e cursos preparatórios
de maior fama, muitos a quilômetros de distância dos seus locais de residência.
O fechamento de escolas por conta do isolamento social impõe grande prejuízo à
maior parte do alunado brasileiro, principalmente àqueles sem computadores
domésticos, celulares possantes e sinal de qualidade. Deixar de reconhecer
estes fatos chega a ser uma obscenidade.
Adiar as provas do Enem é um imperativo democrático. Não as
adiar é aprofundar mais ainda as desigualdades sociais, impedir o acesso dos
mais pobres e negros às universidades, garantir um fluxo de estudantes brancos
e mais bem aquinhoados, para lá na frente privatizar todas as instituições de
ensino superior e garantir aos empresários da educação baixos índices de
inadimplência nas mensalidades. Se não houver adiamento, tornar-se-á mais evidente
o caráter elitista deste governo, o seu desprezo pelo povo mais pobre e a sua
aversão à democratização das oportunidades e justiça social. Outra face desta
mesma hipótese é o interesse de diminuir a “tara dos estudantes por cursos de
formação superior” e encaminhá-los aos “cursos técnicos de máquina de lavar e
geladeira”, conforme declarou o presidente Jair Bolsonaro ao jornalista Heraldo
Pereira durante entrevista ao Jornal das Dez, da Globo News em 28/8/2018.
[1]
PORTAL AGÊNCIA BRASIL. Ministro diz que
governo recorrerá de decisão sobre adiamento do Enem. WEB. 18/04/2020.
Disponível no site: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-04/ministro-diz-que-governo-recorrera-de-decisao-sobre-adiamento-do-enem. Acessado em maio de 2020.
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