6.10.25

Educação Brasileira: o Descompasso entre o Discurso e a Realidade

 



Por que, passadas duas décadas de políticas e programas, a educação brasileira ainda não alcançou a qualidade que o país precisa.

Enquanto se discutem reformas e se celebram indicadores superficiais, a realidade da escola pública brasileira permanece inalterada. Diagnósticos se sucedem, relatórios se acumulam, mas o ensino continua distante das necessidades reais de professores e estudantes. Este ensaio busca analisar os fatores estruturais que travam a evolução da educação nacional, destacando a centralidade do professor, a urgência da equidade e a necessidade de um projeto educacional capaz de transformar, de fato, a sociedade.

Todas as iniciativas do Ministério da Educação em favor do aprimoramento do ensino nacional são dignas de reconhecimento. No entanto, ainda permanecem aquém do essencial. Aparentam corrigir falhas pontuais, mas não tocam o âmago da questão. Medidas de efeito rápido e forte apelo popular produzem manchetes e simpatias, mas pouco alteram a substância do problema. A educação, para se transformar de fato, exige um projeto de longo fôlego, ancorado em duas frentes inadiáveis: a construção de uma educação socialmente referenciada e a formação rigorosa, intelectual e ética de seus professores. Sem isso, toda política educacional continuará orbitando em torno do mesmo vazio — o de uma educação que promete muito, mas entrega pouco.

Estamos a concluindo o primeiro quarto do século XXI e, apesar dos discursos otimistas, pouco ou nada avançamos nos indicadores internacionais de qualidade educacional. A avaliação aplicada pela OCDE continua a revelar um quadro preocupante. No relatório de 2000, elaborado pelo próprio Ministério da Educação, já se constatava que o desempenho dos estudantes brasileiros espelhava a precariedade do ensino de leitura e de produção de textos, bem como a persistência de uma escola afastada das “reais necessidades de uso social da linguagem” (PISA 2000 – Relatório Nacional).

Naquele momento, a Secretaria de Ensino Fundamental procurou reagir: criou um programa de apoio a escolas e professores, com o propósito de integrar as práticas pedagógicas às diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Organizaram-se cursos e oficinas voltados ao aperfeiçoamento dos projetos pedagógicos, tendo como eixo a atuação docente.

Passadas mais de duas décadas, o relatório de 2022 expõe a estagnação. A média geral do Brasil permanece estatisticamente inalterada desde 2009. Em Matemática, nossos estudantes se equiparam aos da Colômbia e da Argentina; em Leitura, aos da Costa Rica, Colômbia e Peru; e em Ciências, empatam com Peru e Argentina (Programa Internacional de Avaliação – PISA 2022). O tempo passou, as políticas se sucederam, mas a realidade essencial da escola brasileira segue quase intacta — como se estivéssemos condenados a repetir diagnósticos sem jamais alcançar o remédio.

O que explica tamanha estagnação não é o acaso, tampouco a falta de diagnósticos. O problema é estrutural e antigo e a nossa educação brasileira teima em reproduzir as desigualdades, não para superá-las. Desde suas origens, o sistema escolar esteve a serviço da seleção social e da legitimação de hierarquias, travestindo de mérito o que, na verdade, é privilégio. A vigente Lei de Diretrizes e Bases, assim como as políticas públicas — ainda que bem-intencionadas — tendem a operar apenas na superfície do problema, sem alterar as bases materiais e simbólicas que sustentam o fracasso. Os pífios objetivos da LDB nos dão a verdadeira dimensão do problema: 

Art. 2o 

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Se observamos bem, com os olhos bem abertos, nada mais se pretende além de qualificar os estudantes, futuros cidadãos, para o trabalho o qual, diga-se a bem da verdade, um trabalho com carteira assinada e baixa remuneração.  

Quanto à formação docente, por exemplo, ela também permanece prisioneira de um modelo que pouco dialoga com a realidade da sala de aula. Cursos fragmentados, currículos engessados e uma prática de estágio meramente formal não preparam o professor para lidar com a complexidade do ensino contemporâneo. Soma-se a isso a desvalorização histórica da carreira, traduzida em baixos salários, sobrecarga de trabalho e ausência de reconhecimento social. Espera-se do professor um papel de protagonista, mas lhe negam o roteiro, os instrumentos e até o palco.

Também pesa sobre a escola o peso da desigualdade social, que se infiltra em cada aula, em cada avaliação, em cada expectativa frustrada. É impossível pensar em educação de qualidade sem pensar em equidade. Enquanto a fome, a falta de infraestrutura e o analfabetismo funcional persistirem como sombras do cotidiano, toda reforma educacional será apenas um adorno retórico sobre um terreno corroído.

A escola brasileira, em sua melhor expressão, resiste. Sobrevive pela dedicação silenciosa de milhares de professores e professoras que, mesmo exaustos, ainda acreditam no poder transformador do conhecimento. Mas a transformação verdadeira — aquela que toca o cerne — depende de um pacto nacional que coloque a educação acima dos cálculos eleitorais e das estatísticas de ocasião. Sem isso, continuaremos colecionando relatórios, enquanto o país envelhece sem aprender.

Chegamos, portanto, a um ponto de inflexão. O discurso sobre a importância da educação tornou-se um consenso retórico, mas não uma prática nacional. O país aprendeu a celebrar diagnósticos, não a enfrentá-los. Falta-nos coragem intelectual e política para reconhecer que a escola pública brasileira não precisa apenas de reformas — precisa de refundação.

Refundar significa devolver à educação o seu sentido civilizatório, concebendo-a como o espaço privilegiado da emancipação humana. Significa investir no professor não como executor de políticas, mas como sujeito pensante, criador e crítico. Significa, ainda, compreender que qualidade não se mede apenas por índices internacionais, mas pela capacidade de formar cidadãos conscientes, capazes de ler o mundo e transformá-lo.

Enquanto a educação for tratada como promessa de campanha e não como projeto de nação, permaneceremos reféns do atraso. A verdadeira revolução educacional não virá dos slogans nem das plataformas digitais, mas do reencontro entre o saber e o sentido — entre o ensino e a vida real das pessoas. Só então deixaremos de repetir as velhas estatísticas e poderemos, enfim, dizer que o Brasil começou a aprender.

5.10.25

As ficções que nos governam — e os autores que as vendem

 


Há uma ingenuidade intelectual aqui no Brasil, entre nós, que me deixa boquiaberto. Somos tão espertos que muitos chamam a NASA para estudar os produtos da nossa criatividade, mas quando se trata de interpretar determinado autor há uma preguiça crônica de ler e criticar que facilmente permite que tal autor ocupe o primeiro lugar de vendas, lote auditórios e fique sem agenda para novas palestras.

Como exemplo de autor incensado entre nós cito o acadêmico português Boaventura Santos que, sem críticas aprofundadas no meio acadêmico e social, aparece no plano teórico como sendo progressista e inovador em seus escritos sobre epistemologia, justiça social e conhecimento marginalizado. No plano prático e político ele não está nem aí para as consequências materiais do que defende, como ocorreu por ocasião da integração de Portugal à UE e, de forma mais sutil, com o modelo de universidade empresarial que propõe. Aqui entre nós, pouca atenção se dá ao Senhor Boaventura Santos quanto a sua ética acadêmica, responsabilidade intelectual e compromisso com as classes populares (que é nenhum).

O intelectual da vez é o jovem acadêmico Yuval Noah Harari (Haifa, 24 de fevereiro de 1976 – 49 anos) e os seus best-sellers SapiensHomo Deus. Neles defende em tese que nos tornamos capazes de dominar o planeta porque somos capazes de cooperar em larga escala e acreditar em ficções coletivas – mitos, religiões, ideologias, dinheiro, leis e nações. A chave para tal seria a nossa imaginação compartilhada o que, aliás, nos distingue das demais espécies. A nossa história segundo diz, é a história das nossas ficções. Até aqui, tudo bem, sem muitos problemas. 

Mas quando ele entra na era da Revolução Científica, Industrial e Tecnológica um problema sério emerge, a coisa fica complicada. A sua Inteligência Artificial (IA), na medida em que vai dominando o modo de produção, vai criando uma categoria de trabalhadores não mais necessária para a produção ou funcionamento da sociedade. Os integrantes desta categoria perdem relevância econômica e funcional , algo semelhante ao que acontece com os “selvagens” de Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo que não foram condicionados pela sociedade tecnocrática do Estado Mundial. 

Eu acho sempre perigoso não criar saídas para os “inúteis’ de um modo de produção controlado por IA. Alguns ficcionistas já chamaram a atenção para a tragédia que pode acontecer, em filmes como A Ilha (2005) e Elysium (2013). Nestes filmes os excluídos são eliminados de variadas formas, até com comemorações alegres como no filme A Ilha. Mas não precisa haver a morte de ninguém. Thomas More, por exemplo, no seu livro Utopia, colocou a elite a evoluir espiritualmente por meio da poesia, literatura, música, artes etc. enquanto os escravos tratavam de lhe garantir a sobrevivência material. Dennis Feltham Jones autor de Colossus, filmado sob o título de “Colossus 1980 – o projeto proibido", mais recentemente também encontrou uma saída humanitária: ele levou os seus computadores a encontrar um modo de manter vivos, saudáveis e alegres todos aqueles que foram expelidos do modo de produção. Os computadores conectados, o dos EUA e o da Rússia, trabalhavam para a humanidade ficar de boa, como a rapaziada fala. 

Eu também penso não ser necessário descartar pessoas, sou radicalmente contra qualquer forma de liquidar pessoas; afinal o ócio criativo está aí e pode muito bem ser uma saída desde que seja superada a forma social capitalista, como fala Istvan Mészaros. Em uma sociedade totalmente controlada pela IA, onde a propriedade e a acumulação privada já não existissem mais e o trabalho tivesse deixado de ser meio de sobrevivência e se tornado atividade livre e consciente, não seria fantástico se todos tivéssemos tempo de autorrealização, de criação e de desenvolvimento humano integral?  

Pelo mundo afora, ainda que sem sucesso, diversas cidades têm experimentado garantir renda básica para todos aqueles que estiverem fora do mercado de trabalho. Não têm dado certo. As experiências, contudo, atestam que "a  ideia de trabalhar menos e receber uma renda estável, humana e básica ganha impulso e começa a influenciar o debate de maneira inimaginável há dez anos" (https://outraspalavras.net/alemdamercadoria/renda-cidada-ocio-criativo-e-o-futuro-do-trabalho/)

As teses de Harari, a despeito da problemática imediata, não deixam de chamar atenção para o fato de serem ainda extremamente perigosas para os idosos e doentes, os quais, de forma semelhante aos trabalhadores obsoletizados pelas IA, também se tornariam dispensáveis socialmente. Fico arrepiado só de pensar nesta hipótese e nos fornos de cremação construídos como em Auschwitz.  

Assim, como se pode perceber, o problema da aceitação imediata — e quase sempre acrítica — das teses de certos autores da moda não é apenas intelectual: é também ético e político. Quando a razão abdica de seu papel questionador, o pensamento se transforma em consumo. E o consumo, nesse caso, não se dá em vitrines, mas em livros, palestras e citações que passam a circular como dogmas modernos.

As teses de Boaventura Santos e Iuval Harari, travestidas de novidade, com muita suavidade, podem naturalizar falsas verdades e anestesiar o impulso de pensar. Ao se instalarem como verdades consensuais, tornam-se matrizes de políticas públicas e decisões institucionais que, em vez de emancipar, reproduzem e sofisticam as velhas desigualdades sociais e econômicas.

Resistir a essa nova forma de servidão intelectual exige o retorno à educação crítica — não a que deposita conteúdos, mas a que forma consciências vigilantes. Exige também o cultivo da dúvida metódica, o exercício coletivo da argumentação e o compromisso com a clareza das ideias e com a transparência dos métodos. Só assim a crítica volta a ser o que deve ser: o oxigênio da vida pública e o antídoto contra a domesticação do pensamento.

8.9.25

Como a Aprovação Automática Sabota a Educação e a Cidadania

 



Imagem gerada por IA

Em uma postagem que fiz no Facebook, responsabilizei a aprovação automática na educação básica pela formação de cidadãos acríticos, incapazes de compreender as implicações políticas de atos como estender a bandeira dos Estados Unidos em uma manifestação pró-Bolsonaro — justamente no dia em que se celebra a independência do Brasil de Portugal. Meu argumento é que a baixa exigência escolar gera ignorância política e, consequentemente, abre espaço para manipulação ideológica.

Uma amiga me rebateu, acusando-me de simplificar injustamente o problema. Para ela, o bolsonarismo tem raízes também — ou até principalmente — na classe média, que muitas vezes não passou pela escola pública nem foi beneficiada pela aprovação automática. Observou ainda que a maior parte das escolas privadas, na prática, também recorre à aprovação automática para não perder alunos e, assim, receita. Além disso, destacou corretamente que nossas crianças estão há décadas imersas em um processo de americanização cultural — músicas, filmes, moda, comidas, símbolos e heróis que reforçam a ideia de que o “modelo norte-americano” é superior ao brasileiro. Para ela, o problema central não reside na aprovação automática em si, mas no conteúdo e na intencionalidade da educação — o que ensinamos, para quê e com qual horizonte ético. Inclusive universitários, que passaram por numerosas provas e etapas seletivas, podem exibir o mesmo grau de alienação política.

De fato, nossas posições não são excludentes, mas complementares. O que minha amiga chama de americanização cultural e de falha curricular, vejo reforçado pela lógica perversa da aprovação automática. Se, de um lado, a escola propõe conteúdos ricos e um horizonte ético elevado, de outro, esse esforço perde efeito quando o aluno aprende que não precisa se dedicar, pois sua promoção está garantida. A aprovação automática, nesse sentido, desvaloriza o próprio conteúdo educacional, transmitindo a mensagem de que esforço e aprendizado não são necessários para avançar.

Esse mecanismo contribui não apenas para o desastre educacional brasileiro, mas também mina qualquer tentativa de formar sujeitos críticos. A escola pode ensinar bem, mas se o aluno sabe de antemão que não precisa aprender, todo o processo se enfraquece. A aprovação automática enfraquece a autoridade pedagógica dos professores, nos termos em que Pierre Bourdieu a situa, desmotivando alunos e reforçando a lei do menor esforço, com implicações até no ambiente disciplinar da escola. A falta de exigência e rigor acadêmico, portanto, contribui decisivamente para que seja sofrível a qualidade da educação da educação brasileira. E não apenas isto: este mesmo processo de baixa qualidade também escolariza indivíduos economicamente prejudiciais ao país. Conforme afirmação do Banco Mundial, o nosso PIB poderia ser 66% maior se tivéssemos uma educação de qualidade (Banco Mundial, 2022).

 Finalizando devo acrescentar que a aprovação automática não é apenas um mecanismo burocrático; ela simboliza um pacto social perverso: fingimos que ensinamos, fingimos que aprendemos e seguimos adiante como se isso não tivesse consequências. Mas tem. Ao naturalizar a mediocridade escolar, condenamos gerações a uma cidadania de baixa intensidade, incapaz de reconhecer manipulações políticas ou de projetar um país mais justo e soberano.

Se quisermos uma educação que forme cidadãos críticos e criativos, precisamos resgatar o valor do esforço, do rigor intelectual e da exigência ética. Não basta oferecer conteúdos: é preciso cultivar o sentido de responsabilidade pelo aprendizado e pelo mundo que se constrói a partir dele. Caso contrário, continuaremos a produzir não sujeitos autônomos, mas consumidores de ideologias alheias — e sempre de olhos voltados para fora, sem perceber a riqueza e os desafios do que temos dentro de casa.

7.9.25

O MEC Avança, mas o Problema Central Continua Intocado




O Ministério da Educação do Brasil, sob a liderança de Camilo Santana, tem sido bastante ativo ao propor um conjunto de medidas voltadas à melhoria da qualidade da educação nacional. No campo da educação básica, ampliou a oferta de tempo integral, destinou mais de R$ 3 bilhões para a alfabetização de crianças com a meta de praticamente erradicar o analfabetismo, e criou o programa de incentivo financeiro-educacional que estabelece uma poupança para estudantes do ensino médio, buscando conter a evasão e elevar os indicadores de aprovação e qualidade.

No plano da infraestrutura, os investimentos se concentram na universalização do acesso à internet nas escolas públicas, na entrega de milhares de creches, pré-escolas e escolas de tempo integral, na ampliação do transporte escolar gratuito e na construção de novos campi dos Institutos Federais. Soma-se a isso o aumento de 17% no valor mínimo por aluno repassado, o que, na prática, significa mais recursos para estados e municípios.

Em relação à educação técnica e à valorização docente, os novos programas incluem a expansão de vagas em cursos técnicos de tempo integral e políticas de reconhecimento e incentivo ao magistério. Nesse contexto, destaca-se o programa Mais Professores para o Brasil, estruturado em cinco eixos estratégicos: Prova Nacional Docente (PND), Pé-de-Meia Licenciaturas, Bolsa Mais Professores, Portal Mais Professores e Carteira Nacional Docente.

Embora a educação superior também esteja contemplada nas ações do MEC, este texto não a abordará, dada sua ênfase na educação básica e na formação docente.

Todos os programas e iniciativas listados, é preciso reconhecer, são relevantes e tendem a produzir impactos positivos. No entanto, permanecem periféricos diante do problema central: a formação docente nas instituições de ensino superior. É aí que se encontra o núcleo das dificuldades que atravessam todo o sistema educacional. Alguns pontos são críticos:

  1. grande parte das licenciaturas é ofertada por instituições — públicas e privadas — de baixa qualidade, resultando em formação teórica insuficiente, práticas pedagógicas frágeis e pouca conexão com a realidade escolar (não é incomum encontrar professores universitários que, desde a conclusão do ensino médio, jamais retornaram ao cotidiano da educação básica);
  2. os índices de evasão em licenciaturas, presencial ou a distância, ultrapassam 50%, segundo dados oficiais;
  3. muitos egressos dos cursos de licenciatura e bacharelado apresentam baixa proficiência em leitura, escrita e matemática, além de domínio limitado dos conteúdos que precisam ensinar;
  4. o baixo status social e os salários pouco atraentes desestimulam a entrada e a permanência de estudantes com melhor desempenho acadêmico no ENEM.

Apesar dos avanços recentes, o MEC vem adiando o enfrentamento indispensável à questão central: a necessária revisão curricular nacional das licenciaturas, a fiscalização da Resolução CNE/CP nº 2/2019 e ao acompanhamento rigoroso das instituições — sobretudo particulares e de ensino a distância — que ofertam cursos de formação docente. É igualmente urgente reduzir a distância entre teoria e prática, fortalecer os estágios e residências pedagógicas e incentivar docentes universitários a manter vínculo efetivo com a escola básica, inclusive por meio de pesquisas empíricas.

Os problemas são conhecidos de todos desde longa data, mas por que, então, o governo evita atacar o cerne deles? Uma primeira resposta está, sem sombra de dúvida, no custo político: falta coragem para enfrentar grandes grupos privados, muitos com capital internacional, além disto, mudanças estruturais exigem longos prazos de implementação, frequentemente superiores a uma gestão, o que contraria a lógica imediatista das disputas eleitorais. Reformas profundas também tendem a gerar embates jurídicos e institucionais de grande intensidade.

Em um momento como o que vivemos hoje, quando o Brasil se projeta como importante player internacional e grande potência do Sul Global, tais reformas não podem ser adiadas indefinidamente. A escassez de professores em áreas estratégicas — como Física, Química, Matemática e Geografia — já é uma realidade e as projeções para 2030 indicam o agravamento do déficit docente desde as séries iniciais da educação básica. Ademais, o desenvolvimento científico tecnológico urge um quadro de cientistas em todos os campos que dê sustentabilidade a um projeto de grande potência mundial soberana e autossustentável.

 

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23.8.25

Que educação é esta? Até quando?


Imagem Copilot

Com o gado bolsonarista berrando loucamente pelas ruas, uma pergunta se impõe: o que afinal entregaram as aulas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia na educação básica? O quadro é devastador. Um ex-aluno me disse: “os alunos não aprendem nada e são aprovados seguidamente para as verbas fluírem”. Outro completou: “os alunos passam sem saber interpretar, leitura zero...”. E, para encerrar, o mais estarrecedor: “perguntei na prova qual o regime político que predomina no Brasil atualmente e a resposta foi ditadura”.

Esses relatos não são exceções; refletem uma realidade que qualquer observador pode constatar. O resultado se vê nas ruas e nas redes: cidadãos confundindo democracia com ditadura, clamando por “liberdade de expressão contra a ditadura de toga”, exigindo o impeachment de um juiz da Suprema Corte por cumprir seu papel constitucional e, em contradição grotesca, defendendo tarifas impostas ao Brasil pelo governo fascista de Donald Trump.

O fracasso da escola em formar cidadãos críticos é concreto como o Pão de Açúcar. E se professores em exercício reproduzem esse estado de coisas, não se trata apenas de incompetência individual, mas de um problema estrutural.

Duas medidas se impõem de imediato para começar a reverter a liquidação da educação crítica no Brasil:

1. Reforma da LDB.
A Lei de Diretrizes e Bases precisa ser redefinida para além da função de treinar mão-de-obra barata. A escola deve ser espaço de formação cidadã, multicultural e científica. Experiências internacionais podem inspirar esse redesenho: as leis orgânicas da França, México e Bolívia, por exemplo, articulam educação, patrimônio cultural e inserção no mundo do conhecimento e da tecnologia.

2. Reforma da formação docente.
É urgente reorganizar os cursos de formação de professores. O bacharelado deve voltar-se à pesquisa educacional, enquanto a licenciatura precisa ser orientada para o exercício real do magistério, com foco no ensino fundamental e médio. As disciplinas pedagógicas devem priorizar o desempenho prático dos futuros docentes em sala de aula. Instituições com classificação sofrível em rankings de qualidade precisam ser assessoradas pelo MEC em processos de melhoria ou, até mesmo, fechadas. E os livros didáticos, em vez de simplificações pobres, deveriam ser elaborados por comitês universitários comprometidos com rigor científico e pedagógico.

Sem essas reformas, continuaremos assistindo a cenas grotescas: cidadãos incapazes de interpretar a realidade, manipulados por discursos autoritários, e transformados em massa de manobra contra a própria democracia.

22.8.25

O bolsonarismo que assola o país



O bolsonarismo que nega a ciência, acredita na terra plana, exalta o autoritarismo e sequer sabe distinguir democracia de ditadura é, em grande medida, um produto da educação brasileira. Negar isso seria ilusório. A própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB), ao priorizar a formação de uma força de trabalho massiva, conduziu o Estado a um descaso sistemático com a formação crítica e cidadã. Assim, multiplicam-se os “assassinatos” cotidianos da língua, os raciocínios rasteiros, a incapacidade de reconhecer o regime democrático e de diferenciar o período ditatorial vivido entre 1964 e 1985. Basta observar as postagens nas redes sociais para constatar a indigência intelectual e argumentativa que assola o país.

Às vezes, imagino como seria uma sátira de nossa educação escrita por um humorista ácido como Rabelais: Gargântua e Pantagruel navegando pelas grotescas aventuras do sistema educacional brasileiro.

Desde os anos 1980, educadores e cientistas da educação vêm denunciando a falência da escola pública nacional — e até hoje pouco se fez, a ponto de sequer erradicarmos o analfabetismo. Na chamada “década perdida”, Estado e sociedade deveriam ter assumido a responsabilidade histórica de enfrentar o problema. Ao contrário, sequer se debateu seriamente o avanço voraz da iniciativa privada, especialmente no ensino superior. Quarenta anos depois, as mazelas do ensino médio permanecem praticamente intactas, enquanto a proliferação de faculdades se tornou uma epidemia que despeja, ano após ano, milhares de profissionais de baixa qualidade em todas as áreas da sociedade. Até a formação militar, antes símbolo de rigor, degringolou a ponto de produzir oficiais que conspiram contra a própria nação.

Se realmente repudiamos a ação de parlamentares, pastores neopentecostais, militares e empresários que mal sabem ler e escrever, precisamos agir já. O Brasil não resistirá a mais décadas de abandono educacional.

19.2.25

Verão, bermuda e imagem pública do professor

 






Claro que o calor está insuportável. Mas será que isso justifica dar aulas de bermuda? Vou assumir, talvez com certo conservadorismo, uma posição contrária. Basta pensar: por que o advogado não entra de bermuda no tribunal? Por que o médico não atende de bermuda? Por que o engenheiro, mesmo debaixo do sol no canteiro de obras, usa calça comprida?

Não é apenas questão de estética. É também de simbolismo. Essas profissões, de grande valorização social, entendem que a imagem fala tanto quanto as palavras — e que a autoridade se constrói também pelo modo como nos apresentamos.

Lembro-me de um texto que li anos atrás. O autor dizia que os professores ajudavam a cavar a própria desvalorização ao abandonar o “pedagogês” e, ao mesmo tempo, descuidar da aparência. Nos anos 70 e 80, não eram raros os professores de chinelo de pneu, cabelo desgrenhado, roupas surradas e bolsas de lã de lhama a tiracolo. Aquele ar alternativo, longe de inspirar respeito, transmitia descompromisso. Qual criança ou adolescente teria vontade de ver num professor assim um modelo a seguir?

A tese continua atual. O professor que aparece diante de sua turma com aparência relaxada reforça uma contradição evidente: exige seriedade, dedicação e futuro promissor dos alunos, mas não projeta esses mesmos valores em si mesmo. É verdade que a docência sofre com salários baixos e reconhecimento insuficiente, mas justamente por isso a construção simbólica de sua imagem deveria ser tratada com mais zelo, não menos.

Nada tenho contra a bermuda. O que me preocupa é a esculhambação da imagem pública do magistério. Uma profissão que já carrega tanto peso não pode dar ao mundo sinais de que também desistiu de se levar a sério.

Educação Brasileira: o Descompasso entre o Discurso e a Realidade

  Por que, passadas duas décadas de políticas e programas, a educação brasileira ainda não alcançou a qualidade que o país precisa. Enquan...