Centro Cultural José Bonifácio (antiga Escola José Bonifácio) - Gamboa
Esta postagem retoma e atualiza as reflexões iniciadas no artigo “Uma estratégia de unificação curricular: os estatutos das escolas públicas de instrução primária (Rio de Janeiro - 1865)”, publicado em 1999, escrito por mim (Zacarias Gama) e José Gonçalves Gondra e apresentado na 21ª Reunião Anual da ANPEd em 1998. Trinta anos após volto ao texto e procuro correlaciona o discurso legislativo presente no texto publicado com a materialidade arquitetônica do ensino público no Município Neutro. O objeto central são as fotografias que fiz de algumas das chamadas “Escolas do Imperador”, um conjunto que inclui o Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, a Escola Municipal Gonçalves Dias, o Centro Cultural José Bonifácio (antiga Escola José Bonifácio) e o Colégio Pedro II (Campus Centro).
Escola Municipal Gonçalves Dias – Campo de São Cristóvão
Meu principal interesse reside em destacar a monumentalidade
arquitetônica dessas construções como um projeto deliberado de afirmação
política, civilizatória e pedagógica do Segundo Reinado. Este investimento
contrasta significativamente com períodos posteriores, como o Republicano, nos
quais a escola pública foi frequentemente reduzida a estruturas efêmeras e
despretensiosas (como as escolas de compensado), evidenciando a descontinuidade
no compromisso estatal com a qualidade do serviço prestado e, paradoxalmente, com
o próprio povo. A República, em muitos momentos, trabalha pouco pela afirmação
do ideal de democracia e parece prezar o povo, sobre os integrantes das classes
sociais mais necessitadas.
As minhas fotografias podem ser tratadas como fontes
primárias para a análise iconográfica e formal. O conjunto de prédios,
majoritariamente idealizado por Francisco Joaquim Bethencourt da Silva,
arquiteto concursado do Império, como se pode observar, caracteriza-se pela imponência
e pelo estilo eclético de matriz neoclássica. A análise de conjunto revela uma
clara uniformidade de discurso produzida por elementos recorrentes: a simetria
estrita, o tratamento formal das aberturas e, em particular, a rusticação do
térreo (visível na Escola José Bonifácio). Tais elementos constituem um vocabulário
arquitetônico oficial para o ensino/instrução pública, reforçando a ideia de
que a forma imponente era um projeto de Estado. A localização estratégica dos
edifícios, em áreas centrais e de passagem da Corte, não era fortuita, mas uma
ação de demarcação territorial que inscrevia o projeto educacional na paisagem
urbana.
Colégio Pedro II (Campus Centro)
A forma arquitetônica demonstra o seu papel de suporte à
função pedagógica. A construção desses edifícios escolares permanentes garantia
que o ensino unificado e disciplinado, conforme preconizado nos estatutos de
1865, ocorresse em ambientes salubres e respeitáveis, superando a precariedade
anterior. Não eram, porém, escolas de meninos e meninas como as de hoje.
A monumentalidade, evidente em todos os prédios, elevou o status
da instrução pública primária de um serviço doméstico para uma instituição
sagrada e essencial ao Império. Os edifícios foram concebidos para inspirar
reverência, ordem e disciplina, reforçando o rigor moral e curricular
estatutário.
A escala e a solidez dessas construções funcionaram como um
poderoso discurso de poder. Ao replicar os modelos arquitetônicos europeus
(notadamente franceses), o Império afirmava-se como uma potência tropical
civilizada e estável, capaz de realizar obras cívicas de grande envergadura e
garantir a longevidade de seus projetos para uma população branca, católica e
senhorial.
CE Amaro Cavalcanti (antiga Escola da Freguesia de Nossa
Senhora da Glória) – Largo do Machado
A tese de que a arquitetura funcionava como um dispositivo
de controle, nos termos propostos por Michel Foucault, é fácil de ser sustentada.
O investimento em edifícios padronizados e permanentes prova que a unificação da
qualidade da instrução pública não era uma política efêmera, mas um projeto de
Estado que exigia infraestrutura à sua altura. A forma simétrica e imponente de
todas as construções servia como um facilitador da disciplina pedagógica e da
vigilância, inserindo os corpos dos estudantes na ordem estatal e escravocrata.
A convergência entre a norma legal (1865) e o investimento
material (1870 em diante) confirma a profundidade e a seriedade da estratégia
educacional Imperial.
Referências Bibliográficas
- GAMA,
Z.; GONDRA, José G. Uma estratégia de unificação curricular: os estatutos
das escolas públicas de instrução primária (Rio de Janeiro - 1865). Revista
História da Educação, v. 3, n. 5, jan./jul. 1999.
- FOUCAULT,
Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Vozes,
1987. (Sugestão para fundamentação teórica)
- REIS
FILHO, Nestor Goulart. Quadros da arquitetura no Brasil. 7. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2018.
- MACHADO,
Humberto. A Capital da Ordem: O Colégio Pedro II no século XIX. Rio
de Janeiro: FGV, 2007.