Há alguns anos atrás, mais precisamente no inicio de 2012, em um restaurante de Lisboa, conversava com um grande cientista da educação. Ele é português e ama as coisas do Brasil. Percebi em seus olhos que deixava transparecer uma pontinha de tristeza. Depois de conversarmos sobre música, poesia e literatura brasileira, procurei que a trouxesse à superfície.
Rui Canário é o seu nome. E nem preciso dizer o tamanho da minha felicidade de estar ali com ele, conversando como grandes amigos.
Aos poucos foi trazendo para fora o que o entristecia e tudo se circunscrevia à universidade, àquela que vinha sendo construída pelo Processo de Bolonha, com todas as exigências de torná-las produtoras e vendedoras de conhecimento. O problema, contudo, não era a produção ou venda de conhecimentos, mas o modo como os jovens professores aceitavam o enquadramento da universidade às exigências do capital. Faziam poucas objeções e, na maioria das vezes, se deixavam determinar pelo que vinha da Comissão Europeia de Educação, viesse o que viesse. Pouco se importavam com o fim da autonomia universitária e muito menos se os objetos de estudo tivessem fins comerciais. A competição acadêmica em que se mergulhavam estava no cerne da questão. Era cada um por si, procurando as melhores avaliações e as melhores posições na máquina universitária. Atropelavam os pesquisadores seniores e produziam conforme a demanda. Conformavam a universidade operacional, tal como foi definida por Marilena Chauí.
Oito anos se passaram desde esta conversa. O país está infestado pelo novo coronavírus - Covid 19 - e o furor em oferecer ensino remoto aos isolados estudantes, faz-me ver que se repete aqui o que entristecia o amigo Rui Canário. A pandemia expôs entre nós o mesmo clima universitário que havia em Portugal. Jovens professores, em extrema competição, correm para oferecer ensino remoto, mas sem qualquer reflexão acerca dos impactos que pode produzir na vida da universidade. As preocupações com as atividades fins da universidade parecem inexistentes porque só se fala em oferecimento de ensino remoto: nada de pesquisa nem de extensão. Tampouco querem saber de dificuldades técnicas. Parecem viver numa bolha onde todos têm conexões de ponta e dominam todas as ferramentas de navegação no ciberespaço. Quem é pouco afeito a esta parafernália que se vire, o negócio agora é entrar nas ondas da WEB.
Jamais imaginei que teria a mesma pontinha de tristeza do Rui. Jamais imaginei preocupar-me com o assanhamento dos professores mais jovens. Eles estão vencendo e não sei qual será o resultado desse furor jovem.
30.7.20
24.7.20
20.7.20
O impacto do bolsonarismo na educação nacional: que Deus nos acuda
Abertura de novela da TV Globo
Estamos ficando mais pobres. Esta foi a manchete de diversos veículos de imprensa, em janeiro de 2019, tão logo houve a posse do governo bolsonarista: o PIB per capita e consumo das famílias caiu, o rendimento médio da população diminuiu, o número de pobres e extremamente pobres aumentou e a desigualdade parou de cair. Se você pensou que tais indicadores melhoraram após quase dois anos de Bolsonaro no Palácio do Planalto e de Paulo Guedes à frente do Ministério da Economia, enganou-se redondamente. Se somamos a este quadro deplorável o que acontece na educação nacional a situação é catastrófica. Tomando as metas traçadas pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024 como referência, o MEC voltou as costas para elas de 2019 para cá. Os três ministros indicados e nomeados pelo ex-Capitão têm demostrado que nada entendem de educação e que, uma vez empossados, esmeram-se em realizar a missão quixotesca de combater o “marxismo cultural”, a “balburdia” e o “ensino de sexo sem limites nas universidades”.
A pergunta que não quer se calar é esta: há alguma ação
concreta sendo realizada para a melhoria da educação nacional desde janeiro de
2019, quando o governo atual tomou posse?
A realidade mostra que as ações ocorrem em sentido contrário
à melhoria necessária. A mídia tradicional tem estado atenta ao flagelo
educacional que tende a se ampliar. Em 15 de julho de 2019, o jornal Folha de São
Paulo, divulgou que o contingenciamento de R$ 5,8 bilhões de verbas destinadas às
universidades públicas e programas de fomento à pesquisa não foi investido na
educação básica e que o governo ainda “esvaziou” programas relativos à educação
de tempo integral, novas creches, alfabetização e ensino técnico. O mesmo
diário noticiou que o Programa Dinheiro Direto nas Escolas (PDDE), que deveria
estimular o ensino integral ficou sem repasses de recursos federais neste mesmo
ano, comprometendo a realização da Meta 6 do Plano Nacional de Educação
2014 – 2024: “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das
escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da
educação básica” (INEP, 2020)[1]. O
fato é que o
Plano Nacional de Educação 2014-2024 em nada avançou após o golpe que destituiu
a Presidente Dilma Rousseff, eleita democraticamente com mais de 54
milhões de votos; está em modo marcha-a-ré no atual governo.
No Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do
PNE, publicado recentemente pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, fica claro que apenas duas das vinte
metas foram atingidas até o presente, as metas 9 e 13. Todavia, ambas foram
cumpridas de um ponto de vista quantitativo. É verdade que a taxa de
alfabetização da população de 15 anos ou mais foi reduzida, de 6,8%, em 2018,
para 6,6% em 2019; ainda temos 11 milhões de analfabetos. Mas, só diminuir as
taxas não é suficiente. É indispensável que alfabetização de mais 200 mil
pessoas tenha lhes possibilitado a capacidade de “compreender, usar, refletir
sobre e envolver-se com os textos escritos, a fim de alcançar um objetivo,
desenvolver seu conhecimento e seu potencial de participar da sociedade”; formular,
empregar, interpretar e utilizar conceitos, procedimentos, e ferramentas matemáticas
em descrições, explicações e previsões de fenômenos; e adquirir competências
para se envolver com questões científicas e com a ideia de ciência. (INEP,
2018)[2].
Para dar conta da problemática questão de alfabetização de
jovens de 15 anos ou mais, o MEC nada fez ou está fazendo, as suas únicas ações
em curso estão voltadas para a educação de crianças em idade correta de
alfabetização, mesmo assim ineficazes para produzir o efeito pretendido: o “Programa
Tempo de Aprender”, que presta apoio à alfabetização, aprimora as avaliações da
alfabetização e objetiva valorizar os profissionais de avaliação; e o “Programa
Conta Pra Mim”, que fornece às famílias uma série de vídeos dedicados à literacia
familiar, isto é, ao maior engajamento de familiares com a leitura para bebês e
crianças.
Também é verdade que a Meta 13 foi cumprida em termos de
ampliação da quantidade de mestres e doutores nos quadros docentes do sistema
de educação superior: 75% de mestres e 35% de doutores. O cumprimento desta
meta também precisa ser questionado, perguntando-se qual o percentual de
mestres e doutores oriundos de Programas de Pós-graduação Stricto Senso
avaliados pela CAPES com notas entre 5 e 7?
Dos 3.365 cursos de Mestrado/Doutorado Acadêmicos nomeados
pela CAPES no Relatório Quadrienal 2017, apenas 1.095, 32%, são avaliados com
notas 5, 6 e 7. Os demais 2.270, 68%, tão-somente conseguem notas entre 1 e 4. Os
mestrados e doutorados com notas 6 e 7 são considerados de excelência
internacional. Aqueles com notas 4 e 5 se encontram em processos de ajuste
acadêmico e de produtividade. Os mestrados e doutorados com notas entre 1 e 3 são
recentes e ainda em fase de aperfeiçoamento e consolidação, e sua produção
científica é incipiente. Os Mestrados Profissionais avaliados em 2017 somam 703
cursos distribuídos pelo território brasileiro. Somente 49 – 6,9% - obtiveram a
nota 5, máxima; 215 – 30,6%, a nota 4; 398 - 56,8%, a nota 3; 35 – 4,9%, a nota
2; e 6 – 0,8% - a nota 1.
À exceção das duas metas do PNE 2014-2024 já atingidas,
todas as demais estão longe de serem acertadas e, tudo indica, que não o serão,
nomeadamente neste governo. E é urgente que sejam. Cerca de 1,5 milhão de
crianças de 0 a 3 anos estão sem creches e mais ou menos 330 mil crianças de 4
e 5 anos, sem pré-escola. 26,9% de jovens de 15 a 17 anos estão fora das
escolas de ensino médio. O percentual de matrículas em atendimento
especializado está em queda. O oferecimento de educação em tempo integral está
distante de atender a pelo menos 25% de estudantes da educação básica. O IDEB –
Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica – do ensino fundamental se
encontra estagnado desde 2013 e o do ensino médio está abaixo dos resultados
obtidos em 2009 e 2011. A escolaridade da população rural e de negros e não
negros revela taxas relativamente lentas de crescimento. O percentual de
matrículas da Educação de Jovens e Adultos está significativamente distante da
meta estabelecida para 2024; o mesmo ocorre com as matrículas em educação
profissional técnica de nível médio: seu crescimento foi de apenas 17% no
período entre 2013 e 2019. As taxas de matrículas na educação superior precisam
crescer 12,6 p.p ao ano até 2024 para concretização da Meta 12; as matrículas
em cursos de mestrado e doutorado precisam atingir o patamar de 60 mil mestres
e 25 mil doutores. O percentual de docentes com formação superior tem crescido,
mas ainda há 45,2% professores de educação infantil sem esta formação; 33,9%, com
titulação inadequada nos anos iniciais do ensino fundamental; 46,8% nos anos
finais do ensino fundamental; e 36,7% no ensino médio. Em 2019, somente 37,9%
dos docentes na educação básica possuíam o nível de especialização, 2,8%
mestrado e 0,6% doutorado. Os profissionais do magistério das redes públicas de
educação ainda não têm os seus rendimentos médios equiparados a outros
profissionais com a mesma escolaridade e em algumas unidades da Federação
sequer dispõem de planos de carreira. O movimento de efetivação da gestão
democrática da educação, com este governo está de volta ao passado tantas as
interferências autoritárias, em particular no âmbito das universidades
públicas, caracterizadas pelas indicações de reitores contrárias à consulta
pública à comunidade escolar. Por fim, last but not least, a questão do
financiamento da educação: o governo ameaça suspender o FUNDEB, Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais
de Educação, de 2020 a 2022, e ainda pressiona para que a complementação
adicional e obrigatória da União, 10%, cerca de R$ 16 bilhões, seja repartida com o programa Renda Brasil,
que deverá substituir o Bolsa Família.
Como se vê, a gestão bolsonarista do MEC e do país flagela a
educação nacional e a faz retroceder a um passado remoto e ultrapassado. É
típico do reacionarismo se manter preso ao passado. A atualidade lhes preocupa
ou causa repugna. Eles veem a sociabilidade existente como problemática e
procuram desconstruí-la. Eles são arrogantes e gostam do poder.
[1]
BRASIL. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA.
Relatório do 3º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de
Educação – 2020 [recurso eletrônico]. – Brasília: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2020
[2]
BRASIL. INEP. Relatório Brasil no PISA 2018 - versão preliminar [recurso
eletrônico]. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2018.
13.7.20
Leitores do mundo, uni-vos?
Os leitores do meu blog me surpreendem. Eles já lotam o Maracanã e se espalham pelo mundo.
Quando iniciei este blog, as minhas pretensões eram muito pequenas. Queria basicamente interagir com os meus alunos e ex-alunos. Em sua primeira fase queria tão somente trazer histórias hilariantes e absurdas que acontecem nos meios escolares. A segunda, a atual fase, tornou-se mais séria, reflexiva e de contestação às políticas e ações contrárias à educação de qualidade referenciada socialmente.
Nesta fase o número de leitores cresceu exponencialmente. E o que me deixa pasmo, é que a maioria de leitores é estrangeira. Isto mesmo, estrangeira. Vejam abaixo:
Não é para causar espanto?
Quando iniciei este blog, as minhas pretensões eram muito pequenas. Queria basicamente interagir com os meus alunos e ex-alunos. Em sua primeira fase queria tão somente trazer histórias hilariantes e absurdas que acontecem nos meios escolares. A segunda, a atual fase, tornou-se mais séria, reflexiva e de contestação às políticas e ações contrárias à educação de qualidade referenciada socialmente.
Nesta fase o número de leitores cresceu exponencialmente. E o que me deixa pasmo, é que a maioria de leitores é estrangeira. Isto mesmo, estrangeira. Vejam abaixo:
Estados Unidos
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41321
|
Brasil
|
15942
|
Rússia
|
3051
|
Alemanha
|
1853
|
Região desconhecida
|
1068
|
Ucrânia
|
491
|
França
|
457
|
Países Baixos
|
351
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Romênia
|
197
|
Portugal
|
140
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Não é para causar espanto?
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